quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

JAMES, Henry - Os Espólios de Poynton

   As leituras de 2014 foram abertas em grande estilo. Do Henry James eu já havia lido o famoso A outra volta do parafuso, a novela Daisy Miller e o conto The Beast in the Jungle, e gostei de todos. No entanto, não conseguia ver claramente de onde traçavam uma ancestralidade para ele a partir da Jane Austen – talvez um pouco em The Beast in the Jungle, mas o tom ainda era bastante diferente. Em Os Espólios de Poynton, que ironicamente tem como tema a luta por uma herança, fica claro o que o autor americano naturalizado inglês herda da dama das letras inglesas.
A Jane interpretada pela Anne Hathaway
   Em primeiro lugar, a concisão de cenários e personagens os aproxima muito: Austen normalmente se limita a algumas poucas personagens focais em cenários mais ou menos estáveis no interior da Inglaterra. O livro de James apresenta quatro personagens mais relevantes, Fleda Vetch, Adela Gereth, Owen Gereth e Mona Brigstock, que se cruzam em propriedades ao sul da Inglaterra (terra de Austen), e, vez ou outra, em Londres.
   A temática central do pequeno romance também é comum à obra da escritora inglesa: a perda da posse da propriedade após a morte do marido. Essa é a questão central em Razão e Sensibilidade e a maior preocupação da sra. Bennet em Orgulho e Preconceito, e, no texto de James, aparece colocada na voz da enérgica sra. Gereth. A personagem através da qual olhamos para os acontecimentos é, no entanto, a jovem Fleda Vetch, moça pobre e orgulhosa que se torna objeto de afeição da viúva, e sua escolha para futura nora. No entanto, o herdeiro de Poynton, Owen, toma para si a incumbência de encontrar a esposa adequada, e escolhe Mona Brigstock, uma mulher a quem a mãe despreza por não ter nenhum senso estético para manter em ordem a propriedade diligentemente decorada pelo antigo Sr. Gereth e sua esposa.
O Henry James, queridinho ;)
   Esse estilo narrativo de James, de utilizar um narrador em terceira pessoa que se “cola” ao olhar e às impressões de uma personagem em específico já tinha algum embrião na prosa de Austen, mas é imposto com muito mais clareza e destreza pelo autor. As opiniões que ficam disponíveis para o leitor sobre as personagens são ditadas pelos julgamentos de Fleda, e o significado das ações em geral, ao menos em primeira instância, também. O efeito gerado por este narrador, no entanto, é um pouco irritante (me fez exclamar várias vezes “que saco esse livro!” só de impaciência), porque o caráter da personagem é muito impreciso, e ela parece ser muito reservada – o que acaba não revelando muito da história por grande parte do tempo.
   Mais para o final do livro, porém, o tom mais distanciado – característico dos romances ingleses do estilo de Jane Austen – se perde bastante, e eu tive a impressão de estar lendo algo mais no estilo dramático de George Eliot. O impasse moral que se esboça no início é intensificado perto do fim (por mais que a ética de Fleda seja questionável – e talvez seja esse um dos pontos principais de discussão do romance), e as cenas de revelações de amores contidos, quase eletrizantes, me lembraram muito de The Mill on the Floss e dos romances de Edith Wharton (publicados no início do século XX).

   As minhas impressões gerais, passada a ânsia para saber o final da história, são muito positivas. Se com A outra volta do parafuso James já havia se mostrado para mim como mestre da narrativa, em Os Espólios de Poynton posso vê-lo trabalhando com minúcia na esfera social e psicológica de uma Inglaterra que o encantava e ao mesmo tempo o exasperava, fugindo da ambiguidade do sobrenatural e apresentando uma representação muito realista de sofrimentos muito peculiares. 




Edição que eu li:














Título: Os Espólios de Poynton
Autor: Henry James
Editora: Companhia das Letras
Ano da primeira publicação: 1896/7