As leituras de 2014 foram abertas em grande
estilo. Do Henry James eu já havia lido o famoso A outra volta do parafuso, a novela Daisy Miller e o conto The
Beast in the Jungle, e gostei de todos. No entanto, não conseguia ver
claramente de onde traçavam uma ancestralidade para ele a partir da Jane
Austen – talvez um pouco em The Beast in
the Jungle, mas o tom ainda era bastante diferente. Em Os Espólios de Poynton, que ironicamente tem como tema a luta por
uma herança, fica claro o que o autor americano naturalizado inglês herda da
dama das letras inglesas.
A Jane interpretada pela Anne Hathaway |
Em primeiro lugar, a concisão de cenários e
personagens os aproxima muito: Austen normalmente se limita a algumas poucas
personagens focais em cenários mais ou menos estáveis no interior da Inglaterra.
O livro de James apresenta quatro personagens mais relevantes, Fleda Vetch,
Adela Gereth, Owen Gereth e Mona Brigstock, que se cruzam em propriedades ao
sul da Inglaterra (terra de Austen), e, vez ou outra, em Londres.
A temática central do pequeno romance também é
comum à obra da escritora inglesa: a perda da posse da propriedade após a morte
do marido. Essa é a questão central em Razão
e Sensibilidade e a maior preocupação da sra. Bennet em Orgulho e Preconceito, e, no texto de
James, aparece colocada na voz da enérgica sra. Gereth. A personagem através da
qual olhamos para os acontecimentos é, no entanto, a jovem Fleda Vetch, moça
pobre e orgulhosa que se torna objeto de afeição da viúva, e sua escolha para
futura nora. No entanto, o herdeiro de Poynton, Owen, toma para si a
incumbência de encontrar a esposa adequada, e escolhe Mona Brigstock, uma mulher a quem a mãe
despreza por não ter nenhum senso estético para manter em
ordem a propriedade diligentemente decorada pelo antigo Sr. Gereth e sua
esposa.
O Henry James, queridinho ;) |
Esse estilo narrativo de James, de utilizar um
narrador em terceira pessoa que se “cola” ao olhar e às impressões de uma
personagem em específico já tinha algum embrião na prosa de Austen, mas é
imposto com muito mais clareza e destreza pelo autor. As opiniões que ficam
disponíveis para o leitor sobre as personagens são ditadas pelos julgamentos de
Fleda, e o significado das ações em geral, ao menos em primeira instância,
também. O efeito gerado por este narrador, no entanto, é um pouco irritante (me
fez exclamar várias vezes “que saco esse livro!” só de impaciência), porque o
caráter da personagem é muito impreciso, e ela parece ser muito reservada – o
que acaba não revelando muito da história por grande parte do tempo.
Mais para o final do livro, porém, o tom mais
distanciado – característico dos romances ingleses do estilo de Jane Austen –
se perde bastante, e eu tive a impressão de estar lendo algo mais no estilo
dramático de George Eliot. O impasse moral que se esboça no início é
intensificado perto do fim (por mais que a ética de Fleda seja questionável – e
talvez seja esse um dos pontos principais de discussão do romance), e as cenas
de revelações de amores contidos, quase eletrizantes, me lembraram muito de The Mill on the Floss e dos romances de
Edith Wharton (publicados no início do século XX).
As minhas impressões gerais, passada a ânsia
para saber o final da história, são muito positivas. Se com A outra volta do parafuso James já havia
se mostrado para mim como mestre da narrativa, em Os Espólios de Poynton posso vê-lo trabalhando com minúcia na
esfera social e psicológica de uma Inglaterra que o encantava e ao mesmo tempo
o exasperava, fugindo da ambiguidade do sobrenatural e apresentando uma
representação muito realista de sofrimentos muito peculiares.
Edição que eu li:
Título: Os Espólios de Poynton
Autor: Henry James
Editora: Companhia das Letras
Ano da primeira publicação: 1896/7